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Wuapurŭm Tip

  • Foto do escritor: Maria Célia Ribeiro
    Maria Célia Ribeiro
  • 19 de jul. de 2024
  • 4 min de leitura

Escola para quê?




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Esse agora é o nome, a meu ver, poético e justo, de uma escola no Pará e significa “Açaizal”. Sim, Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Wuapurŭm Tip. Antes, o nome oficial era Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Dom Pedro. Passou a chamar-se Açaizal! Imaginem o que isso representa para as crianças indígenas locais!

Não nego a importância de Dom Pedro para nossa história. Contudo, para os indígenas, esse seria mesmo o melhor nome? Se tentarmos pensar do ponto de vista dos povos originários, facilmente perceberemos que açaizal é muitíssimo mais significativo. Se nos lembrarmos de que grandes problemas foram trazidos pelos portugueses para eles, torna-se ainda mais evidente qual é a melhor escolha.

Com alegria vi, em um telejornal, a reinauguração da escola. E não foi só o nome que mudou! A arquitetura também passou a ser próxima daquela com a qual os povos originários estão acostumados.

Além dos componentes comuns em todas as instituições de ensino, as crianças também aprendem saberes próprios do povo Munduruku: artesanato, informações sobre terra sagrada, rituais, preservação do meio ambiente. Enfim, eles têm uma formação ampla e que faz parte da vida deles.

Uma jovem aluna foi entrevistada e, ao mencionar o quanto gostava das aulas, pude ver o brilho em seus olhos. Para ela, a escola faz sentido!

E por que para outros parece não fazer sentido algum? Provavelmente, por faltarem raízes nesses locais onde deveria habitar a alegria do aprendizado. Temos visto escolas militarizadas, escolas confessionais, escolas que se parecem com shoppings ou parques de diversão, escolas bagunçadas e abandonadas. Qual deveria ser, afinal, a “cara” de uma escola? A de seus estudantes, claro.  Contudo, ainda que eles se identifiquem com parques e shoppings, com militares, religiosidades diversas ou até mesmo com a bagunça, é preciso também ter a cara da aprendizagem, da construção do saber e sobretudo do sentido para a vida de cada um.

O que não é comum vermos, infelizmente, são escolas que se preocupem em fazer com que seus educandos tenham não apenas o sentimento de acolhida, mas também o de pertencimento e o de, vejam só, aprendizado. Não é possível sentir-se pertencente de um grupo em que tudo vem de cima para baixo, sem levar em consideração nada do que se traz da própria vivência. Também não é possível identificar-se com uma ESCOLA que não traz nada de novo, nada de interessante, ou que agregue valor à existência de cada um.

O papel da escola, além de oferecer conteúdos de matemática, línguas, ciências, entre outros, é fazer com que os educandos saibam viver em sociedade, aprendam a lidar com o outro, com a própria comunidade. É preciso também permitir compreender que existe um mundo de diferenças lá fora. Deixar de validar e de visibilizar outras formas de existência não é, em nenhuma medida, educar.

No caso dos povos originários, aprender a lidar com a natureza é essencial. É claro que isso também o é para cada um e para todos nós, habitantes das grandes cidades. Contudo, é imperioso que saibamos viver na “selva de pedra” que são nossas metrópoles. Muitas vezes, atitudes simples, como não buzinar diante de hospitais e escolas, não parar em fila dupla, dar passagem ao pedestre, são simplesmente ignoradas. Parecem pequenas essas ações, mas delas nascem pessoas melhores e uma sociedade melhor.

Se, na escola, aprendemos a respeitar a fila da cantina, por exemplo, e aprendemos isso como um valor, não apenas como obrigação, seremos adultos mais respeitosos no trânsito, no banco, no mercado... Se as escolas se debruçarem sobre o grande problema do “bullying”, em vez de dar de ombros ou apenas emitir notas de repúdio, em um eterno “control c”, “control v”, como temos visto, haverá menos violência entre os adultos.

No entanto, infelizmente, tem sido cada vez mais frequente a escola que se torna uma bolha, onde os estudantes buscam apenas os semelhantes, onde aprendem a valorizar apenas as próprias necessidades e a desprezar “o que não é espelho”, como pequenos narcisos. “Aquele menino não se veste como eu, então é esquisito”; não usa as mesmas gírias, tem um vocabulário diferente, “esquisito”; não mora em um bairro parecido com o meu, “pobre”, “esquisito”.

Pergunto-me desde quando deixou de fazer parte dos valores dos habitantes das cidades, o respeito e o acolhimento ao outro. São Paulo, por exemplo, sempre lidou com as diferenças, acolheu os forasteiros. É verdade que também há e houve sempre muito preconceito, sim, não podemos negar. Entretanto, de uns tempos para cá, parece que ser nordestino, pobre, negro, virou crime! Isso só pode ser falha da educação, na família e na escola.

Por que nunca logramos ensinar cidadania nas escolas? Por que não sabemos cobrar os políticos que elegemos? Por que achamos que um serviço público gratuito não precisa ter qualidade? Por que achamos “normal” que um prefeito que não fez nada durante quatro longos anos, de repente, em ano eleitoral, resolva parar a cidade com uma porção de “obras” de uma vez só, tenha o direito de causar transtornos na vida de todos? Porque a escola falha em nos ensinar a ser cidadãos. Precisamos conhecer direitos e deveres. Precisamos saber o que é direita e o que é esquerda, para podermos decidir de que lado estamos, ou se estamos no centro. Mas de verdade, não apenas por velhos, embolorados e desbotados clichês, ou porque é “bonito” dizer isto ou aquilo. Precisamos compreender a sociedade em que vivemos para torná-la cada dia melhor.

Embora estejamos ouvindo muito sobre aulas de “educação cívica” em discursos de alguns políticos e seus asseclas, não se trata da mesma abordagem. Não estou aqui falando em cantar o Hino Nacional (apesar de não desgostar da ideia) ou de respeitar nossa bandeira. Não é desse nacionalismo de fachada e caricato que se trata. Sim, aprendi a cantar nosso Hino na escola. Sei até hoje. E gosto muito dele. Acho mesmo que, apesar de rebuscado, é um dos mais bonitos que já ouvi. Contudo, refiro-me a algo muito mais profundo. Muito mais importante e significativo para a vida de todos: a verdadeira percepção de pertencimento, de viver em coletividade, de saber cobrar os direitos e cumprir os deveres independentemente de punições ou recompensas. Enfim, a cidadania em sua plenitude.

Que a Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Wuapurŭm Tip seja muito bem-sucedida em seus objetivos e, principalmente, que isso nos sirva de reflexão para trilharmos caminhos mais educativos e efetivos em todas as nossas escolas, públicas ou privadas.

 
 

Escritoria - Soluções em Linguagens

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