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Pessoas, mulheres, mães

  • Foto do escritor: Maria Célia Ribeiro
    Maria Célia Ribeiro
  • 18 de set. de 2024
  • 4 min de leitura


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“Você tem filhos?” Perdi as contas de quantas vezes ouvi essa pergunta quando se tratava de falar com mães sobre o comportamento inadequado dos filhos na escola. Curioso o fato de que os pais jamais me fizeram o mesmo questionamento. Em filmes, ouvimos sempre a reprimenda: “Você diz isso porque não é mãe”. No elevador, mulheres com suas crianças olham de cima para baixo para as que estão sozinhas. Donald Trump e seu candidato a vice não hesitam em condenar “um bando de mulheres com gatos e sem filhos” e fazem do fato de Kamala Harris não ter filhos biológicos um problema muito sério para alguém que quer presidir os Estados Unidos da América. Por quê? Não tenho filhos, gatos nem sou dona da verdade, claro, mas suspeito que isso se deva ao fato de que fomos educadas para acreditar na “aura materna” como algo que torna a mulher especial, diferente das demais, reles mortais sem muito valor, talvez, mais sábia e menos submetida às regras da sociedade como todas as outras pessoas do mundo. Errou? Sim, mas só porque é mãe e ama seu filho. Agiu de forma impulsiva? Afinal, é mãe. Foi agressiva? Só para defender a prole! Mentiu? Sim, para proteger os filhos!

Não estou aqui para julgar ninguém, mas também não gostaria de ser julgada. Não sei se me faço compreender: o fato de eu não ser mãe não deveria ser razão para julgamentos, assim como o de que alguém o seja não deve ser julgada por isso. Só por isso, não. Muitas vezes, vi as pessoas olharem para mim e para outras mulheres que se atreveram a decidir não ser mães como se fôssemos criminosas. Como? Não tem filhos? Por quê? O que aconteceu com você? Qual foi a grande tragédia na sua vida que a impediu de ser uma mulher “completa”? Nada. Simplesmente, decidi tomar outro rumo, outras decisões. Fui noiva quando tinha uns vinte anos. Sonhava, ou melhor, tinha pesadelos todas as noites com o futuro casamento. Não saberia explicar o motivo. Apenas me incomodava a ideia de viver da maneira como o futuro se me afigurava naquela época. Não queria aquela vida para mim. Depois que me libertei do noivado, decidi voltar a estudar, operei da miopia, fiz outros amigos e fui em busca da vida que eu queria ter. E a encontrei.

Alguém poderia pensar que sou egoísta, ou que não gosto de crianças. Não é verdade. Acho que uma mulher que tem filhos apenas para responder às exigências sociais pode ser muito mais egoísta, se não pensar no bem-estar daqueles a quem trouxe ao mundo sem grande inclinação para isso. Também não vejo grandes méritos em alguém que abre mão da própria vida, dos próprios desejos e depois passa a vida toda cobrando isso dos filhos, como se eles fossem culpados da própria infelicidade.

Não digo que todas as mães são assim. Claro que não. Há muitas mulheres que querem ser mães e gostam disso. Tem verdadeiro talento para a maternidade. Entretanto, também conheço várias que fariam melhor às crianças se tivessem feito outras escolhas. Algumas, definitivamente, não deveriam trazer ninguém ao mundo.

Além disso, não é razoável acreditar que o fato de alguém ter filhos ou não os ter altere sua capacidade intelectual, profissional ou sua sensibilidade. Não sou uma pedra de gelo, não vejo crianças chorando e sofrendo como se não fosse nada. Tenho sentimentos, sim. Choro quando vejo injustiças, sofro quando crianças são mortas em guerras com a desculpa de que naquele lugar onde elas estavam “havia terroristas”. Mas vejo mães que consideram isso natural. Só os filhos delas merecem compaixão? Também vi muitas atacarem filhos de outras e falarem coisas horríveis sobre crianças e pré-adolescentes. Ah, mas é só para defender o próprio filho. É mesmo? E se ele estiver errado? Não caberia justamente à mãe, consciente e amorosa, corrigi-lo em vez de atacar os outros?

Não sou mãe, contudo, se fosse, eu me esforçaria muitíssimo para vê-lo tornar-se uma pessoa boa, sensível, amorosa, preocupado consigo e com os demais. Não ia querer um filho cruel, egoísta, narcisista, capaz de fazer coisas horríveis com os seus colegas apenas para se autoafirmar. Porque sei que isso não o faria feliz. Ao contrário, faria com que se tornasse alguém detestável, que afasta os bons e atrai os piores. Que pode haver de materno nisso?

Sim, ser mãe não é tarefa fácil. É mesmo uma missão sagrada. Dificílima. Mas não pode servir de desculpa para quem se nega a cumprir seu papel e joga para quem está em volta toda a responsabilidade pelo que não dá certo. Também não pode ser critério para verificar a capacidade de ninguém para o que quer que seja. Não é por acaso que, aos homens, não se fazem as mesmas exigências. E não é porque eles não carregam os filhos dentro de si. É porque eles são homens. Ninguém lhes cobra capacidade, porque o simples fato de terem nascido homens já os torna, para alguns, capazes de qualquer coisa. Também deve ser por isso que nunca nenhum pai me perguntou se eu tinha filhos. Eles erravam, sim, como pais, claro, como todos nós erramos em diferentes momentos da vida. Mas não viam esse fato como determinante para argumentar comigo. Usavam argumentos racionais, não apelavam para a minha “ausência” de maternidade. Isso os torna melhor do que as mães? Não. Apenas revela a crueldade da sociedade sexista em que vivemos e que, infelizmente, muitas mulheres insistem em cultivar.

 
 

Escritoria - Soluções em Linguagens

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