Sobre rãs, metáforas e vocábulos
- Maria Célia Ribeiro
- 13 de mai. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 25 de mai. de 2024
“Imagine uma panela cheia de água fria na qual nada tranquilamente uma
pequena rã. Um fogo brando debaixo da panela e a água aquece muito
lentamente. Pouco a pouco, a água fica morna e a rã, achando isso bastante
agradável, continua a nadar.
A temperatura da água sobe mais. A água está quente, mais do que a rã pode
apreciar, sente-se um pouco cansada, não obstante, isso não a assusta. Agora
a água está realmente quente e a rã começa a achar desagradável, mas está
muito debilitada, então aguenta e não faz nada.
A temperatura continua a subir, até que a rã acaba simplesmente cozida e
morta.” (Disponível em A rã que não sabia que estava sendo cozida | Metáforas [metaforas.com.br]. Acesso em 11 maio 2024. Trecho adaptado.)
Essa metáfora, tão conhecida, parece estar se realizando entre nós e alguns
preferem fingir não notar.
Temos assistido, horrorizados, à tragédia sem precedentes no Rio Grande do
Sul. Muitas vidas perderam-se, prejuízos materiais e emocionais incalculáveis.
Triste. Muito triste tudo isso. Ainda mais porque tanto sofrimento poderia ter
sido evitado ou, pelo menos, minorado.
Em contrapartida, São Paulo vive alto verão em pleno mês de maio. Há um
eterno e seco verão incrustado no nosso outono. Passamos dos 30 graus
diariamente. Sofremos, reclamamos, damos de ombros e seguimos em frente.
E as ondas de calor ou as cheias varrem outros pontos do planeta. Pela TV,
vejo pessoas felizes, na Espanha, por poderem desfrutar a praia antes do
previsto. Por aqui, também vejo rostos sorridentes descendo a serra para tomar
um banho de mar. “Que maravilha! Não vai chover neste fim de semana!
Vamos curtir uma praia! Aproveitar nossos dias de descanso!” Não se dão
conta de que a vida não é só o aqui e o agora. Há uma causa para esse calor
fora de hora, assim como também consequências. Trágicas consequências
como temos visto no sul do Brasil, na Indonésia, no Afeganistão e no Texas,
com as enchentes. No Canadá, incêndio florestal.
Outro dia, no elevador do meu prédio, logo pela manhã, deu-se a seguinte
conversa: “Puxa, outro dia com mais de 30º...”; “Sim, mas nós não fizemos o
que devíamos (ou fizemos o que não devíamos). Agora não adianta reclamar!”;
“Que nada! O mundo é assim mesmo, não tem nada a ver!”. Fiquei pensando
em quantas vezes aquele senhor tinha passado por tudo isso que estamos
vendo agora. Ele é pouco mais velho que eu, contudo, a não ser que algum
desastre tão generalizado tenha ocorrido sem nenhum registro histórico, tenho
certeza de que ele nunca viveu nada parecido. Ou eu me lembraria. Então, por
que ele acha que “o mundo é assim mesmo”? Que mundo? “Assim” como? Caótico? Catastrófico? Trágico? Desde quando? Onde nós todos, que não
percebemos isso antes, estávamos? Em que planeta vivíamos?
Essa breve conversa de elevador me fez pensar sobre o uso que fazemos de
algumas palavras que acabaram entrando no vocabulário cotidiano de todos
sem que se saiba, ou se preocupe em saber, o que exatamente significam:
“aquecimento global”, “mudança climática” e “emergência climática” são
expressões usadas, salvo engano de minha parte, quase como sinônimos.
Inclusive na grande imprensa muitas vezes. Mas não são! E isso tem sido um
problema. Sim, o desconhecimento semântico dos vocábulos está nos levando
ao caos!
Mas por quê? Não creio que alguém tenha dificuldades em distinguir as
palavras “aquecimento”, “mudança” e “emergência”. Não imagino alguém
confundindo uma consulta médica de rotina com uma ida ao setor de
emergência do hospital, ou que alguém considere que uma criança com 37,5ºC de temperatura está nas mesmas condições de outra com 39º. para ficar em
metáforas mais próximas de nosso dia a dia.
Sendo assim, o que leva tantas pessoas a pensar nessas três palavras,
quando ligadas ao clima, como sinônimas? Arrisco um palpite: elas dão
atenção ao termo “clima” e afins; acabam deixando de lado a palavra que o
acompanha por acharem que já sabem do que se trata e, talvez, por pensarem
que esse blá-blá-blá sobre meio ambiente é chato e sem importância. E não
prestam a devida atenção no que realmente interessa.
O que acontece em terras gaúchas não é aquecimento global nem mudança
climática. É, seguramente, emergência climática. E tantos parecem não
perceber isso! Como se fosse normal viver em estado de emergência! Aliás,
outra expressão que me incomoda é “novo normal”. Não é normal! Não pode
ser! Nem novo nem velho.
Entendo o que querem dizer quando alegam que é preciso adaptar-se ao “novo normal”. É verdade o que estão querendo dizer, mas não é verdade o que
realmente dizem! Percebem? É muito necessário que estejamos preparados
para eventos extremos (outro termo muito em voga ultimamente) para tentar
minimizar as perdas, especialmente de vidas. No entanto, não podemos ver o
que tem acontecido como normalidade. Não está dentro da “norma”! É um
desvio grave! O mundo não é “assim mesmo”. Ele tornou-se assim por ações
ou inações nossas!
Enquanto não assumirmos nossa responsabilidade, não conseguiremos lidar
com essa realidade. De nada adiantará tentarmos enxergar tudo isso como
novo normal, de nada valerão os esforços para nos adaptar. Porque, sem que
façamos o que é preciso para frear o aquecimento global e, com isso, diminuir
as mudanças climáticas, as emergências climáticas serão cada vez mais
graves e não haverá como nos adaptar. Não podemos nos comportar como a
rã da historinha acima. Precisamos agir. E conscientemente.
Fico me perguntando o que falta para que possamos dar os primeiros passos.
Individualmente, muitos já o fazem, mas é preciso mais. Muito mais. É preciso
que tenhamos políticas públicas voltadas ao meio ambiente, educação mais
efetiva que nos leve à compreensão do que é necessário ser feito.
Conscientização generalizada.
Os cientistas têm nos alertado faz tempo, não? Mas não são ouvidos. Vamos
falar um pouco mais de significado das palavras. Ciência é conhecimento.
Quando recebemos um aviso por escrito e escrevemos que estamos “cientes”
do seu conteúdo, isso significa que tomamos conhecimento dele. Não é assim?
Pois bem, então, ciência é um conhecimento que vem da observação, de
pesquisas, de estudos. Já a expressão “o mundo é assim mesmo” vem de
quê? De que observação? Contém que explicação? Que tipo de
conhecimento?
Quando falamos em conscientização, estamos nos referindo a um tipo de
conhecimento mais intenso: do latim, conscire é estar ciente, ser sabedor de
algo com intensidade (esta aparece na partícula cum, presente no início da
palavra).
E para que toda essa “sopa de letrinhas”? Para que percebamos que as
palavras têm um SIGNIFICADO e isso faz toda a diferença na vida de todos
nós. Precisamos estar atentos a elas. Quando se começou a falar em
aquecimento global, não se deu muita atenção. Depois vieram os alertas de
mudanças climáticas. Agora, chegamos a eventos extremos, emergências
climáticas. Tal como a rã, continuamos inertes.
Tenho observado ultimamente que as pessoas não estão dando mais valor ao
significado das palavras. Parece que qualquer coisa serve para exprimir o que
se quer... Isso é triste. Principalmente quando reflete comportamentos que
podem nos levar a tanto sofrimento como o que temos visto no sul de nosso
país.