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O menino marrom e a violência social

  • Foto do escritor: Maria Célia Ribeiro
    Maria Célia Ribeiro
  • 20 de jun. de 2024
  • 3 min de leitura
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Nesta semana, recebemos a pavorosa notícia de que o belíssimo e delicado livro do grande Ziraldo, O menino marrom, foi censurado por pais de alunos em escolas de Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais.

Sim. Estamos em 2024, não em 1964. No Brasil, não no Afeganistão, mas, além de quererem punir mulheres estupradas, agora também querem impedir que livros sensíveis sejam lidos por nossas crianças.

O que li foi que pais de alunos se queixaram da adoção do livro pelas escolas da cidade, e a prefeitura, segundo informações oficiais, para evitar maiores confusões, decidiu suspender essa adoção.

Fiquei me perguntando qual teria sido o motivo da indignação dos que reclamaram. Inicialmente, não se sabia ao certo. Todas as notícias que li apenas diziam que alguns trechos do livro foram considerados “agressivos”. Não havia, contudo, informações sobre quais seriam nem por quê.

Agora se sabe que houve queixas em relação ao trecho em que os meninos, um branco e um negro, pretendiam fazer um pacto de sangue, que não chegou a acontecer porque os garotos decidiram usar tinta para simbolizar o acordo. Além disso, eles dizem que uma senhora deveria ser atropelada por ter recusado ajuda para atravessar a rua.

Jura?! A agressividade do livro é essa? Essas “pessoas de bem” precisam ficar mais atentas ao seu redor. Nos últimos dias, tivemos agressão física, com resultado morte, a um senhor de 77 anos diante do neto de 11, por ter se apoiado sobre o capô do carro do agressor. Depois, vimos outro homem descer do próprio veículo para atirar contra o automóvel de outro por “fechadas” no trânsito. Ele não deu um, mas CINCO tiros contra o carro. Nada aconteceu com o casal que o ocupava porque o veículo era blindado. Houve também o caso em que um campinho de futebol foi invadido por um rapaz que queria acertar contas com outro. Chegou atirando e acertou duas pessoas, uma delas, que nada tinha a ver com a história, perdeu a vida.

Citei apenas alguns exemplos recentes e mais emblemáticos para que nos certifiquemos de que o livro do Ziraldo é mesmo muito agressivo, não é? Como submeter criancinhas que vivem em um mundo pacífico a tanta violência?

Não podemos nem mesmo ter o conforto de que nossa infância esteja protegida nas igrejas. Não apenas pelos estupros que sabemos ocorrer em muitos casos. A última é a tentativa de impedir que estudem. Isso não é agressivo? Segundo um pastor, os pais não devem mandar os filhos à universidade porque ali se desencaminharão. Os jovens deveriam vender picolé na garagem em vez de estudar. Ele chegou a afirmar que as mulheres saem da faculdade com um diploma, mas “vagabundas e “doidas”. Assim, os que estudam, segundo esse senhor, não se salvarão.

Os dois casos parecem muito distantes, mas não são. Observem que, nos dois casos, a luta é contra o saber. Livros, universidades, novas ideias, liberdade de expressão. Tudo isso incomoda e irrita algumas pessoas. Por quê? Porque liberta. O saber é liberdade – de pensamento, de expressão, de alma.

Ouso ainda suspeitar que o tema de O menino marrom também incomoda a muitos. Trata-se de um livro com temática antirracista. A quem interessaria combater o antirracismo? Certamente, não interessa aos menos privilegiados, aos excluídos, aos negros.

Achei linda a forma como esse livro nasceu. Ziraldo contou, certa vez, que mandou uns desenhos para sua equipe e pediu que a criança fosse feita na cor de pele. Recebeu um telefonema de volta com a seguinte pergunta: “cor de que pele?”. Só então ele se deu conta de que considerava “padrão” a cor da sua pele. Mas, mesmo entre os brancos, há diferenças. Entre negros também, não? E essa diversidade é bela. Foi isso que ele colocou nas páginas de seu livro.

O menino protagonista é marrom, e nós ficamos vermelhos de vergonha do comportamento de nossa sociedade.




 
 

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