O magnetismo das fake news: uma questão de linguagem?
- Maria Célia Ribeiro

- 8 de abr. de 2024
- 4 min de leitura
Saía do trabalho perto de 12h30, já pensando no almoço daquele dia, quando, ao ligar o rádio do carro, ouvi sobre um acidente aéreo na região de Santos, em São Paulo. Havia um grande alvoroço em torno do assunto, pois um candidato à presidência do Brasil, ao que tudo indicava, estava naquele voo e teria perdido a vida, junto com outros cinco ocupantes da aeronave.
Chamou-me a atenção, naquela agitação toda, a entrevista, feita no calor do momento, com um morador da região, que dizia ter visto o acidente e se aproximado dos destroços antes de todo mundo. O repórter, a meu ver, inexperiente ainda, entrou ao vivo para a entrevista sem antes ter conversado com a suposta testemunha. O entrevistado começou a narrar, então, o que havia “visto” e, na empolgação, acabou dizendo que identificara o então candidato presidencial por seus “olhinhos azuis”.
Levei um susto e imediatamente me perguntei como alguém poderia correr o risco de passar vergonha ao vivo em uma entrevista que estava sendo ouvida, provavelmente, por milhões de pessoas dizendo um absurdo daqueles.
O ano era 2014 e o candidato em questão, Eduardo Campos. Sabemos que foram necessários exames de DNA e nas arcadas dentárias para que os corpos – todos mutilados – fossem identificados. Como um cidadão comum poderia afirmar que identificou uma vítima pelos “olhinhos azuis”?!
Lembrei-me dessa situação ontem ao pensar sobre o sucesso que fazem as fake news no Brasil e no mundo. Por que essas “notícias” chamam tanto a atenção?
Cheguei à conclusão de que é possível que a motivação seja parecida com a daquele morador que não percebeu a impossibilidade do que dizia na ânsia de se fazer “importante” ou “famoso”, nem que fosse apenas por alguns minutos (esse assunto, aliás, daria outro texto).
Por alguma razão, há pessoas que acreditam no valor da fama fugaz. Talvez se sintam menos importantes do que realmente são (ou do que gostariam de ser), talvez considerem que possam ser mais respeitadas se causarem um grande impacto nos demais... O fato é que TEM de haver alguma explicação psicológica / psicanalítica para que alguém se arrisque a “pagar mico” só para dar uma “notícia bombástica”. Não pode ser só falta de noção...
Imagino ser essa a necessidade de alguém que lê (ou ouve) algo ilógico, ou incoerente, e decide passar adiante como verdade, mesmo correndo o risco de ficar desacreditada. Ou talvez essas pessoas apostem na ingenuidade ou má-fé dos demais – convenhamos, não sem razão, uma vez que essas situações são cada vez mais frequentes.
Seremos nós, seres humanos, ingênuos, maldosos, complexados? Será que nossa autoestima está tão ruim a ponto de nos fazer agir de forma tão vil? Pessoas são prejudicadas injustamente, outras morrem em consequência de um “erro” de identificação... Não nos preocupamos em evitar que se vitimem mais inocentes? Por quê? O que nos faz tão cruéis? Que sentimento mesquinho nos leva a ter orgulho em espalhar mentiras que, na maioria dos casos, nem nos dizem respeito?
Estudos apontam que as fake news são mais compartilhadas do que as notícias de fato. Penso haver uma razão linguística para isso. E aqui vai a minha contribuição, digamos, profissional a respeito: a linguagem de notícias “de verdade” é muito mais sóbria, contida, contém menos adjetivos, menos apreciações pessoais do jornalista. Não causam o mesmo impacto.
As falsas notícias, embora travestidas de fatos, empregam palavras que causam impacto, escandalizam, provocam indignação ou, até mesmo, a ira no leitor / espectador / ouvinte. As pessoas se deixam levar pela avalanche de adjetivos, advérbios, modalizações e se esquecem de observar o conteúdo do que se diz. De outro modo, quem poderia acreditar que professoras de educação infantil concordariam em corromper criancinhas sexualmente? Não falo de uma ou duas professoras. Isso, sim, pode acontecer e, infelizmente, temos exemplos disso acontecendo em escolas, clubes, transportes escolares... Mas todas? Ou a maioria? Em massa? Por quê? Com que intenção? Ganhariam o que com isso? Mas tomaram a “informação” como verdade e isso nos levou a resultados nefastos.
Isso me faz lembrar, embora não fosse essa a razão da sua existência, os versos do grande Caetano Veloso, na brilhante canção O quereres: “mas a vida é real e de viés”. Ocorre-me agora que talvez seja apenas o desejo de uma vida menos comum, com grandes novidades e impactos. Pode ser simplesmente isto: a fuga da mesmice, do cotidiano. Mas é nefasto, mesmo assim.
Seria muito bom que as pessoas se gostassem e se sentissem importantes e úteis à sociedade sendo verdadeiras, sendo quem elas são. Porque, do contrário, o que fazem é atrapalhar e aumentar as estatísticas dos crimes que dizem combater. Seria bom que não ansiássemos tanto por novidades impactantes, precisamos do cotidiano para organizar nossa vida. Mas acho que a velocidade de nossos tempos torna tudo mais complexo e nos perdemos em meio a tantas informações.
Ah, o entrevistado de Santos? Foi deixado a falar sozinho assim que mencionou os “olhinhos azuis”. Mico para ele e para o jovem repórter. Pena...



