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Incômodos Fonossintáticos

  • Foto do escritor: Miguel Rosa
    Miguel Rosa
  • 20 de fev. de 2024
  • 3 min de leitura

Sinto que os gramáticos foram displicentes ao categorizar as figuras de som, mais especificamente as aliterações, assonâncias e eventuais paronomásias. Percebi isso escrevendo alguns versos— tentava lembrar se o que estava fazendo era uma aliteração ou uma assonância. Revirando alguns didáticos de gramática, percebi que eles, na verdade, não se importam tanto assim. Pelo bem dos poetas, procurei pontuar meus incômodos fonossintáticos, a partir da pouca modéstia de usar versos do meu próprio poema como estudo de caso.


Recapitulei brevemente os recursos estilísticos: a assonância consiste, a princípio, na repetição do mesmo som vocálico. A exemplo:


A Maria me ama a marasmos.


A aliteração, por outro lado, é a repetição de fonemas consonantais, como no verso:


A Maria me ama a marasmos.


Não houve a necessidade de buscar um segundo verso. Como ninguém além dos alemães se comunica exclusivamente com consoantes, e o número de vogais é reduzido, é comum que uma aliteração carregue na maleta sua própria assonância de estimação. Percebendo isso, os gramáticos complementaram “fonemas consonantais” com “ou sílabas”. Acharam bom o suficiente, apagaram as luzes do escritório e seguiram para o sofá. Desde então, diversos alunos do fundamental se confundem, já que inevitavelmente tropeçam em sílabas sem consoantes. Quando questionados se essas são aliterações ou assonâncias, os professores dão de ombros, despistam o assunto e corrigem alguma crase. 


Esse é primeiro problema categórico da aliteração: há duas categorias, quando deveria haver ao menos três. A fim de resolvê-lo, pensei que seria então mais fácil descartar a assonância (por ser a palavra mais feia entre as duas) e colocar a figura como aliteração apenas, categorizada em aliterações consonantais, aliterações vocálicas e aliterações silábicas. 

Poderia então, me ter me satisfeito com a resolução, mas no próximo verso não tive paz:


A Maria me ama a marasmos.

Eu a amo a Maracanãs.


Me inquietaria categorizar essa aliteração como silábica. Repetem-se conjuntos de fonemas, mas eles são atrapalhados pela separação das sílabas, e se diferem, de fato, da repetição de uma única delas. Considerei resolver o novo problema com uma distinção qualitativa das aliterações silábicas, entre puras e agregadas. Porém, me incomodou a percepção de que a sonoridade de uma letra a ser repetida depende de seu contexto fonético. Além do mais, não me parecia a qualitativa mais simples tendo em vista os próximos problemas que me apareceram:


A Maria me ama a marasmos.

Eu a amo a Maracanãs.

No amor de maria há marés,

no meu amor há mar.


O contexto frásico de cada som vai além das sílabas, e acontecem de repente, aliterações entre palavras. Como se não bastasse, a paronomásia decide se intrometer. 


A partir de toda essa bagunça, então, os elementos qualitativos de uma aliteração silábica consistiriam em: aliterações silábicas simples (aquelas de uma só sílaba), aliterações silábicas compostas (conjuntos fonéticos com duas ou mais sílabas) sendo que estas podem ser puras (a repetição dos fonemas é exatamente igual) ou mistas (repetem-se conjuntos fonéticos semelhantes, com pequenas variações vocálicas, que apesar de divergentes, são fundamentais à sonoridade da sílaba) além de também poderem ser concatenadas (os conjuntos fonéticos estão em palavras separadas, unidos por sonoridade) ainda podendo, em alguns casos, isso tudo ocorrer em Paronomásia. 


Portanto os versos:


A Maria me ama a marasmos.

Eu a amo a Maracanãs.

No amor de maria há marés,

no meu amor há mar.


Configurariam uma aliteração composta mista concatenada com a presença de paronomásia.


Foi escrevendo essa frase ridícula que compreendi o sofrimento dos gramáticos. São bichos arrependidos, não deveriam nem ter inventado a assonância em primeiro lugar. Afinal, chamar tudo isso de aliteração, apenas, bastaria.


 
 

Escritoria - Soluções em Linguagens

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