top of page

Futebol, religião e política

  • Foto do escritor: Maria Célia Ribeiro
    Maria Célia Ribeiro
  • 15 de abr. de 2024
  • 4 min de leitura

Sou palmeirense. Minha mãe e minhas irmãs, corintianas. Por quê? Não faço ideia. Em algum momento de minha história, fui fisgada pelo verde. E me apaixonei. Sim, estão certos os que dizem que futebol não se discute. É uma paixão. E isso não tem explicação. É assim e pronto. Não é racional. Alguns podem pensar que minha “escolha” se deu em razão do ótimo momento que vive o Palestra. Não foi. Comecei minha jornada verde antes, bem antes de Abel Ferreira e companhia. Já até sofri na segunda divisão... E continuei apaixonada.

Quanto à religião, podemos dizer que é algo também muito pessoal – e  intransferível (Perdão, não resisti!). Mas não é paixão. É crença. Fé. Mas também há algo de racional nessa escolha. Acreditamos naquilo que consideramos verdadeiro, correto. E isso exige algo de racional.

Mas e política? Também não se discute, como dizem? Aqui preciso discordar da sabedoria popular. Política, ao contrário de futebol, não é paixão. E, muito mais que religião, é (ou deveria ser) uma escolha racional. Claro que valores também contam nas decisões políticas. Mas eles precisam ser pensados no âmbito coletivo, não é mais algo individual, muito menos intransferível! A própria natureza da política é a de ser partilhada, conversada.

Nesse aspecto, porém, temos visto cada vez mais pessoas agirem como se estivessem em um estádio, torcendo por seu time, seja ele de que divisão for. E é isso que leva às brigas e intolerância, quando deveria haver conversa e troca de ideias. Argumentação. Ao acreditarmos que futebol, religião e política não se discutem, colocamos esses três elementos no mesmo “balaio”. Mas não estão no mesmo patamar. São muito distintos.

E aí está o grande problema de permitirmos que outros, especialmente líderes religiosos, decidam politicamente por nós. Não se trata de fé, mas de razão. A minha fé pode ser igual à sua, mas não necessariamente teremos as mesmas convicções políticas. E vice-versa. E versa-vice (não resisti de novo!).

Na política, nada é individual. Qualquer pessoa pode escolher se é de direita ou de esquerda, individualmente, mas essa opção implica toda a sociedade. A escolha política não pode ser feita tendo como critérios os mesmo utilizados no futebol nem mesmo na religião, porque envolve todos nós.

E é por isso que política, sim, discute-se. Porque pensamos diferente, mas vivemos em um mesmo lugar e precisamos encontrar uma maneira agradável e justa para isso. Mas não pode ser uma discussão baseada na paixão, como o futebol, ou em crenças, como a religião. Precisa basear-se no conhecimento. E aqui quero deter-me em uma passagem bíblica que tem sido muito citada nos últimos tempos, principalmente no âmbito da política (por estranho que possa parecer a alguns): “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32). Penso que há uma distração quando as pessoas se detêm no termo “verdade”, quando o que é mais importante, a meu ver, é a palavra “conhecereis”. O que interessa, nesse caso, é o CONHECIMENTO do que é chamado de “verdade”. E o conhecimento vem por meio da aprendizagem adequada. Ora, se aprendemos algo, é por meio da linguagem, não? Aqui entra nossa responsabilidade: precisamos ler e compreender o que lemos; precisamos descobrir, por nós mesmos, os contextos.

Não podemos delegar nosso conhecimento a terceiros. Nós precisamos buscar nossas respostas a partir do conhecimento. A verdade que liberta é aquela que descobrimos quando aprendemos algo. Do contrário, estaremos presos às interpretações de outros. Quem domina a linguagem domina também as pessoas. Especialmente aquelas que não são muito hábeis nesse quesito.

Se dependemos de outros, estamos necessariamente nos submetendo à “verdade” dessas pessoas. E não estou aqui relativizando a palavra, querendo dizer que o que é verdade para mim pode não ser para você. Mas refiro-me ao fato de que, se é o outro que diz o que é verdade, não temos como conferir se não nos depararmos com ela nós mesmos.

Dia desses, via pela TV algumas pessoas manifestarem-se a favor de Israel, diante da terrível guerra que se reacendeu nos últimos meses. Uma mulher carregava uma enorme bandeira daquele país. Ao perguntarem a ela por que estava do lado dos israelenses, respondeu que era porque “eles são cristãos como nós”! Como? Os israelenses são cristãos? Como nós?!

Percebem? O erro dessa senhora não é o lado escolhido por ela (os palestinos dirão que sim, mas isso é outra história). O problema é que ela NÃO SABE o porquê dessa defesa. Ela não conhece a história nem o contexto da guerra. Estava ali apenas porque alguém disse a ela que deveria fazer isso. E, por sua resposta, atrevo-me a pensar que provavelmente foi um líder religioso. Mas é VERDADE que os israelenses são cristãos? A verdade, nesse caso, não é relativa. Qualquer pessoa minimamente informada sabe que eles não são cristãos. E esse não pode ser o critério para decidir quem defender nessa guerra. Não se trata de cristianismo. Mas muitos não sabem disso e pensam estar defendendo a verdade, quando estão seguindo as ideias de outros, cujos objetivos – desculpem – parecem-me muito obscuros.

Esse é o perigo de misturar instâncias tão distintas como religião e política. Se alguém quer submeter-se a um líder religioso no que se refere à religião (sim, sei que parece pleonasmo, mas não é), ó problema é dele. Mas, no âmbito da política, o problema é nosso. De todos e de cada um de nós.



Ler, não apenas decodificar letras, é a chave para o conhecimento da verdade. Conhecer o contexto em que algo é dito ou escrito é fundamental. Não é possível nos guiarmos a partir da visão do outro. Não no que diz respeito a algo tão importante como religião e política. O futebol? Bem, esse é incompreensível e por isso mesmo tão mágico!

 
 

Escritoria - Soluções em Linguagens

bottom of page