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Derrotas

  • Foto do escritor: Maria Célia Ribeiro
    Maria Célia Ribeiro
  • 10 de jul. de 2024
  • 4 min de leitura


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Ouvi, quase não acreditando, a história de um condomínio próximo ao meu: o síndico, que parece ser o maior fofoqueiro do pedaço, postou, no grupo, que alguém havia quebrado uma lâmpada. Chegou chegando: “esses moleques sem educação, os pais não ensinam! É nisso que dá”... Ao que uma condômina respondeu: “Com certeza, é filho de locatário! Eles não têm cuidado com nada porque não é deles, então quebram tudo!”

O que essa história tem a ver com as derrotas do título? Tudo. Em uma sociedade discriminatória, na qual os que têm menos bens são vistos como delinquentes pelo simples fato de não terem dinheiro, a derrota é de todos nós. Quem disse que foi um “moleque sem educação” que quebrou a lâmpada? E quem disse que o tal moleque é filho de locatário? Ninguém. Ninguém viu, ninguém pode saber. Mas já se julga a partir da condição financeira e, consequentemente, da falta de educação que tais pessoas, na cabeça de quem os acusa, devem ter.

Há não muito tempo, a imprensa andou alardeando a suposta derrota “do governo” na manutenção do veto à criminalização das Fake News em período eleitoral. Vamos nos lembrar do caso: em 2021, incluiu-se, em um projeto de lei, a criminalização de notícias falsas, mas foi vetado pelo presidente à época. Ficou no Congresso esse tempo todo e agora o veto foi mantido, contrariando o desejo do governo atual. Isso me fez pensar no que leva os jornalistas a empregarem esse tipo de manchete. Governo derrotado? Mesmo?

Quem, em sã consciência, é favorável às mentiras (sim, é disso que se trata) divulgadas nos meios de comunicação não convencionais? A pergunta fica ainda mais grave se pensarmos do ponto de vista da própria imprensa. Não seria o caso de deixar claro que a derrota é nossa, de todos os brasileiros e, em especial, dos próprios jornalistas? Por que a atribuir apenas ao Governo, como se não tivéssemos nada a ver com isso?

Alguns poderiam alegar que se trata de uma tentativa de isenção política. Acredita-se, ao que parece, que é vantajoso ser “isento”. Sim, essa é uma das bases do jornalismo. É preciso buscar, tanto quanto possível, a suposta isenção. Mas será que falar em “derrota do governo”, em um ambiente em que os próprios jornalistas chamam de “polarizado” é mesmo ser isento? Ou isso só aumenta a polarização e faz os mais cautos – e os menos honestos – acharem que não há problema em divulgar fake news?

Quem ganha com as notícias falsas? Seguramente não é a população brasileira nem a imprensa. Então, por que não dar o nome exato para o que aconteceu? A derrota é de todos nós. Não importa nem de que lado esteja o governo. Se está do nosso lado, foi derrotado junto conosco. No entanto, parece ser mais importante para a nossa imprensa isenta ressaltar a polarização, destacar a derrota do governo, inclusive salientando o fato de que o veto era bandeira do ex-presidente (o outro polo), dando a entender que houve uma vitória por parte de seus seguidores.

Já se disse que não tomar partido em uma situação em que se sabe qual é o lado certo, é ficar do lado errado. Concordo. Precisamos ter coragem de nos posicionar quando se trata de uma possível derrota de todos.

Assim fizeram os franceses, no último fim de semana: quando perceberam que o fato de não votar em ninguém estava escancarando as portas para a extrema-direita, eles decidiram se posicionar e foram às urnas, dando uma improvável (alguns disseram “surpreendente”) vitória para a esquerda. Vejam, não se trata aqui de esquerda e direita, simplesmente. Trata-se de evitar a ascensão da EXTREMA-direita, o que, a História tem nos ensinado, não costuma ser o melhor caminho. Ah, então a esquerda saiu vitoriosa. Não. Vitoriosos saímos todos nós, inclusive os não franceses, que sabemos não serem os extremos um bom caminho para nada.

Por falar em derrota, o Brasil foi eliminado, de novo, da Copa América, no último sábado. Eu já imaginava, tendo em vista o desempenho da seleção masculina principal. Mas muitos parecem estar desapontados e até – vejam só! – surpresos. Afinal, somos o país do futebol, único pentacampeão mundial! Sim, mas não é de hoje que não andamos bem das pernas, por assim dizer. Para que voltemos a vencer, é preciso reconhecer a derrota como justa. Isso nos levaria a descobrir quais são nossos erros, o que, por sua vez, nos conduziria a buscar acertos. Enquanto nos recusarmos a enxergar a realidade, continuaremos a ser derrotados.

E não é assim apenas no esporte. É preciso olhar nosso entorno com honestidade e exatidão para buscar soluções. Somos pentacampeões no futebol, mas também somos campeões em mortes e acidentes nas estradas. Essa é uma derrota muito mais grave e dolorosa do que a do jogo contra o Uruguai, mas parece que ninguém quer ver. Assim, continuaremos a ser derrotados no campo, nas estradas, nas escolas...

Algumas vezes, aquilo que consideramos vitória não o é. E vice-versa. Observemos o exemplo do 9 de julho, nosso feriado estadual. Comemora-se a Revolução Constitucionalista. Ora, São Paulo se rendeu. Foi derrotado nesse caso. Então, comemorar o quê? O que parecia derrota, na verdade, trouxe algumas vitórias ao Estado. Algumas das exigências foram atendidas. E o estado readquiriu importância no cenário político. Perdemos mesmo? Não exatamente.

Penso que, em grande parte, nossas derrotas, de todos os tipos, devem-se ao fato de nos negarmos a ver a realidade e tratá-la com a seriedade que merece. É fato que somos preconceituosos como sociedade, por isso muitos consideram normal atribuir um comportamento inadequado ao “pobre”. É fato que temos aceitado com tranquilidade as notícias falsas. É fato que não nos escandalizamos com a perda de tantas vidas nas estradas brasileiras. Até quando vamos aceitar as derrotas como normais, ou vamos deixar de vê-las?

Precisamos aprender a lidar com perdas e ganhos ao longo da vida. E isso também é verdade quando pensamos do ponto de vista coletivo. Olhar de diferentes ângulos, distintas perspectivas, o mesmo acontecimento. Descobrir quem e o que realmente se perde ou se ganha. A longo prazo também.

 
 

Escritoria - Soluções em Linguagens

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