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Cadáveres expostos

  • Foto do escritor: Maria Célia Ribeiro
    Maria Célia Ribeiro
  • 9 de jul. de 2024
  • 2 min de leitura


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O Secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, teve, acreditem, o péssimo gosto de levar a fotografia de um cadáver – isso mesmo, CADÁVER – para uma apresentação no que chamaram de Congresso Conservador em Santa Catarina no último final de semana. E ele o fez para provar sua eficiência no combate ao crime.

Leia-se: para o Sr. Derrite, combater o crime é sinônimo de assassinar pessoas. Pergunto: de que forma matar supostos bandidos (muitas vezes, os falecidos nem sequer os são) pode colaborar para acabar com o crime? Alguém ainda acha mesmo que isso assusta criminosos? Que eles vão deixar de cometer crimes por medo de morrer? Não. Não vão. Eles não têm motivos para temer. Sempre digo que quem não tem nada a perder é muito perigoso. E é assim que eles se veem, como quem não tem nada a perder. Nada mesmo, nem a própria vida. Ao crescer vendo vizinhos, amigos, parentes e conhecidos mortos pela polícia ou por facções rivais, não criam grandes expectativas. Vão vivendo, do jeito que dá, enquanto dá. Para nós, é difícil entender. Só consegui enxergar essa outra realidade, quando li “A guerra dos meninos”, de Gilberto Dimenstein.

O grande erro de cálculo dos que pensam que alterar a maioridade penal ou tornar as leis mais rigorosas cometem é achar que os que ingressam no mundo do crime pensam como todos os demais. Se fosse assim, não seriam criminosos. Eles pensam diferente e vivem diferente.

Se violência resolvesse algo, depois de Carandiru 1992, não teria havido motins ou quaisquer outros problemas em presídios no Brasil e, talvez, no mundo! Afinal, foram 111 mortos! Até hoje, ninguém respondeu pela perda dessas vidas. “Ah, mas eram bandidos”, dirão alguns. Para suas famílias, eram apenas entes queridos. Para eles mesmos, provavelmente, eram apenas pessoas. “Um bandido a menos”, dirá outro desavisado. E quantos a mais? Filhos, irmãos, primos, amigos desse que se foi. É possível calcular?

No Brasil, não há pena de morte. Sei que isso incomoda a muitos, contudo, o incômodo não muda a lei. Ora, se o assassinato dos criminosos não está dentro da lei, como chamar os que os matam? Foras da lei, certo? Portanto, criminosos também. E quem os matará? Outros criminosos fantasiados de justiceiros? Até onde iremos com essa maluquice?

Mas, infelizmente, há outros cadáveres que temos deixado expostos pelo caminho. A cada ação desastrada de um agente da lei, a cada vídeo viral com musiquinhas louvando mortes, a cada troca “involuntária” de nomes – Chica da Silva, a escrava alforriada, no lugar de Benedita da Silva, a deputada federal – vamos expondo nossa putrefação como sociedade.

Enquanto o máximo que obtivermos forem notas de repúdio diante de ações inaceitáveis, enquanto aceitarmos com naturalidade o assassinato, a humilhação, a violência, a agressão, a discriminação, viveremos em um museu de cadáveres. Para mudar esse cenário, é preciso muito mais do que simplesmente dizer “não compactuamos com racismo” ou “abrimos sindicância” ou, ainda “os fatos serão investigados”. Palavras só são importantes quando apontam para uma intenção real. Quando só servem para mascarar a indiferença, pioram tudo. E muito. Meu medo é que, além da visão dos cadáveres, nós nos acostumemos também com o seu odor putrefato.

 
 

Escritoria - Soluções em Linguagens

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