Biden e a metonímia etarista
- Carmen Adriana

- 8 de jul. de 2024
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Desde a famosa e infeliz capa da revista Veja, expondo Cazuza em finitude de vida, nada mais me surpreende no campo da falta de sensibilidade e arrogância de certos veículos de comunicação. Esta semana, surge a discussão sobre a capa do The Economist, comprovando que mau gosto não tem fronteira.
Somos um mundo em processo de envelhecimento, ultrapassado o baby boom provocado pela Segunda Guerra, temos que começar a pensar em acolher a população que, a cada dia, aumenta sua expectativa de vida e precisa de apoio e recursos para tornar esse tempo tranquilo, protegido e digno.
Não entrarei no mérito das condições do candidato Biden a ocupar a cadeira de presidente da República. Talvez, a nós, mais velhos, falte a coragem de mudar rumos e dizer chegarei até aqui apenas. Lembro-me do meu querido colega da Federal de SP, professor Paulo Frigério, sem dúvida um dos profissionais mais brilhantes que já conheci. Amado pelos alunos, admirado pelos colegas, aposentou-se. No dia da festa de despedida, ganhou um lindo relógio de bolso da nossa equipe. Meus olhos estavam marejados e perguntei-lhe por que tão cedo. Para abrir caminho para o novo, para assumir planos adiados, foi sua resposta. Quanta sabedoria!
A diferença entre as duas situações, além da postura do protagonista, foi o respeito com que foram acolhidos. Um absurdo exporem a fragilidade de Biden e ignorarem toda a corrupção, maldade e falta de valores humanos do seu opositor, igualmente idoso. Tristes tempos, as pessoas são apresentadas em arenas, como em tempos remotos e o público sinaliza impiedoso e grita pela morte de alguém.
A análise deveria dar-se em outro nível. Nem todo idoso está condenado a um andador, a uma casa de repouso. Coronel Sanders do KFC começou sua fortuna aos 65 anos, Sullenberger, o piloto do rio Hudson, aos 57 anos, salvou 150 vidas, o primeiro livro de Cora Coralina foi publicado quando ela tinha 75 anos, Faluja Sing se despediu das pistas de maratona aos 101 anos, junte-se Caetano, Chico, Gil, Marina Colasanti, fora outros nomes e outros anônimos que, na sua velhice, são pródigos em frutos.
A metonímia indigesta da capa da revista deveria ser agressiva a todos. Não faz parte de todo idoso um andador e, mesmo que faça, não compromete sua dignidade. A figura metonímia ocorre quando tomamos a parte pelo todo, o autor pela obra, a marca pelo produto, relações de contiguidade. Seria essa então a melhor representação?
Temos que pensar em um futuro, em cidades e arquiteturas para uma população mais idosa. É necessário ampliar a visão limitante e incluir, nos quadros das empresas, pessoas com mais experiência e idade, ampliar as rodas de conversa e saber quais os anseios e ansiedades desses grupos.
O que nos falta enquanto sociedade é empatia e respeito. Diálogos profundos, maduros e sérios, comprometidos com o futuro de quem virá e respeitosos com a história de quem já caminhou um pouco mais, afinal, na melhor das hipóteses, somos nós que estaremos ali num futuro não muito distante. Àqueles que dominam as mídias fica a responsabilidade de construir figuras mais inteligentes e sensíveis, metáforas e metonímias que engrandeçam o humano, que criem laços profundos de respeito e solidariedade.



