top of page

Afixos, conjunções e outras gramatiquices reveladoras

  • Foto do escritor: Maria Célia Ribeiro
    Maria Célia Ribeiro
  • 22 de abr. de 2024
  • 3 min de leitura

Moda é um fenômeno interessante: as pessoas ficam ansiosas por segui-la. Estar na moda é importante para a maioria. É preciso ser in. Alguns pensam que se trata “apenas” de roupas, calçados, cortes de cabelo... Não. A moda é muito abrangente.

Em língua, por exemplo, estamos na vibe da inclusão. Essa é a palavra da moda. Pelo menos, uma delas. Há inúmeros eventos inclusivos: exposições, sessões de cinema, peças de teatro e espetáculos variados. E isso é muito bom!

No entanto, esta sociedade que se faz parecer tão inclusiva não leva tão a sério a palavra da moda. Outro dia, passava por ruas de um bairro próximo de casa, considerado lugar de pessoas endinheiradas, quando me deparei com a seguinte placa em frente a um açougue (meio metido a besta, é verdade, mas um açougue, definitivamente): “Carnes exclusivas”.

Fiquei me perguntando por que alguém haveria de se interessar por uma comida “exclusiva”. A ideia não é incluir? Mas comida precisa ser exclusiva? Logo COMIDA?! Por quê? Para quê?

Pensando nisso, dei-me conta de que apenas a palavra “inclusão” está na moda. Mas as ações de incluir, não. As pessoas gostam de ser exclusivas. No banco, nas salas de espera de aeroportos, nos espetáculos, nas redes sociais (ou então por que postar fotos de carros caríssimos, joias, lugares “exclusivos”?).

A verdade é que nós não somos in, somos ex. Gostamos de dizer que estamos na moda, que incluímos todos, porém o que realmente fazemos (não todos, claro, mas grande parte das pessoas) é excluir o outro.

Faz uns dias, li no jornal que ONGs processavam um colégio de elite em São Paulo por discriminação. Explico: o colégio oferece vagas para bolsistas, não apenas filhos de funcionários, ao que parece, mas também para moradores de uma favela próxima dali. Que maravilha, não? Estamos diante de um caso de inclusão! O problema é que esses alunos e alunas precisam frequentar as aulas em um prédio separado daquele que frequentam os pagantes. Mesmo as festas juninas são feitas em horários diferentes para um grupo e para outro. O argumento da escola é que o prédio dos bolsistas fica mais acessível para quem vem da comunidade. Pode ser... Mas e as festas e demais atividades separadas? Como justificar? Um dos comentários mencionava o fato de que tal separação “pouparia” os bolsistas de situações vexatórias ou de bullying. Mas a função da escola não é educar? Em vez disso, é preferível excluir os bolsistas? Não. Não pode ser assim.

Precisamos fazer escolhas na vida: somos in-clusivos OU somos ex-clusivos? A escolha pressupõe (aí sim) exclusão. Não podemos ser as duas coisas ao mesmo tempo. Quando, em vez de escolher, decidimos “somar” essas facetas, em vez da conjunção “ou” tentamos usar “e”, criamos situações absurdas e, convenhamos, ridículas como a descrita acima.

Recentemente, houve uma polêmica envolvendo uma professora, demitida por usar uma camiseta com o poema-bandeira de Hélio Oiticica, “Seja marginal, seja herói”. Alguns pais e mães de estudantes sentiram-se ofendidos, uma vez que entenderam a camiseta da professora como um elogio a “bandido”!

Aqui, precisamos fazer uma pausa para compreender uma palavra fundamental nessa discussão (inclusão x exclusão): “marginal” é um adjetivo que se origina do substantivo “margem”, ou seja, aquele que não está no centro (incluído), mas à margem (excluído). Percebem? Não se trata de elogiar bandido, mas de pensar o que é centro e o que é periferia. E o que fazemos com esses conceitos... e com essas pessoas.

Ao que tudo indica, todos parecem querer ser, ao mesmo tempo, incluídos (aqui, o sufixo indica que a pessoa recebeu a “graça” de ser incluída por outros) e exclusivos (nesse caso, a pessoa é quem faz a ação de excluir). E é nesse ponto que a conta não fecha. Ninguém quer ficar à margem da sociedade, contudo todos querem marginalizar o outro. Os outros precisam me incluir, mas eu posso excluir os outros. Aí fica difícil, não?

Penso que a vida procura nos ensinar o caminho a seguir. Por isso me pergunto se não será essa a razão pela qual os “excluídos” da assim chamada Cracolândia foram escolher o CENTRO da cidade para se instalar... É sintomático, não acham? Qual será o recado da vida?

 
 

Escritoria - Soluções em Linguagens

bottom of page