A seu dispor, Senhor Dinheiro!
- Maria Célia Ribeiro
- 24 de jun. de 2024
- 4 min de leitura
“Você não pode fazer isso comigo, porque estou pagando!” Quem nunca ouviu essa frase que atire, no lixo, o primeiro maço de dinheiro. Eu ouço isso sempre. E o contrário disso também: “Ah, tudo bem! É grátis mesmo...”. Eu diria que algo de ruim não deve ser feito a ninguém, porque se trata de uma pessoa e, portanto, merece respeito, independentemente de pagamento.
Faço Pilates no CEU (Centro Educacional Unificado) aqui perto de casa. Aliás, preciso dizer que sou privilegiada, pois há um CEU, um parque ecológico e um clube municipal. Todos aqui pertinho, limpos, bem cuidados, seguros (tanto quanto possível em São Paulo) e gratuitos. Convenhamos, quem poderia reclamar? Pena que não é a regra, mas a exceção que a confirma. Por isso, falo em privilégio, embora considere que todos deveriam ter acesso a essa qualidade de vida.
Uma de minhas colegas de Pilates, porém, achou que tinha motivos para reclamar. Estava muito brava porque nossa professora tinha faltado e, ao contrário do que costuma acontecer nesses casos, não havia ninguém para substituí-la. Sabíamos que seria um dia atípico, porque haveria festa junina depois da nossa aula. Desconfio até de que era esse o motivo do nervosismo da colega, que diz não gostar e não participar desse tipo de festa por razões religiosas. Respeito. É um direito dela. Também não costumo frequentar lugares que não me apetecem, independentemente da razão.
O fato é que, excepcionalmente, ficamos lá aguardando a aula e nada. Isso pode acontecer, não? Não deveria, mas não é um grande problema a meu ver. Apesar disso, a mulher ficou muito, muito brava mesmo. Queria fotografar um cartaz em que há a advertência de que não se pode discriminar ninguém por raça, gênero ou religião, para mandar aos responsáveis. Eles iam ver só. Iam se dar mal (não foi exatamente essa expressão usada, mas prefiro não a repetir aqui). “Não é mais prefeitura, agora é aquele Instituto Bacarelili que dirige. Por isso é esta porcaria (troquei o termo de novo). Aquele bando de favelado!” Sim, ela estava mesmo furiosa.
Segundo ela, tinha sido obrigada a ir à festa junina, porque a professora teria dito que, se não comparecesse à aula, ficaria com falta. Até aí, morreu Neves. Eu também não pretendia ficar na festa, não por não gostar, mas por ter outros compromissos. Fui para a aula, que adoro e que me faz muito bem. Mas não houve aula. Paciência. Ninguém disse que era obrigatório comemorar os santos juninos. Tanto assim, que não ficamos. Nem eu, nem ela.
Contudo, o que me chamou mais a atenção foi o comentário de outra pessoa da turma: “Ela não pode ficar brava assim, porque a gente não paga nada!”. Como?! Não! Ela não deveria ficar tão brava por não ser um problema grave, por não acontecer sempre... Não por não pagar. Então, quer dizer que, se fosse em uma academia particular, ela teria o direito de brigar, querer a demissão dos envolvidos, como parecia ser o que pretendia? Por quê? Pelo dinheiro? Não, não e não! Não aceito essa visão de mundo como normal.
Já notei que as pessoas acham que têm o direito de ser respeitadas quando pagam por um serviço. Do contrário, não seria necessário. Isso é uma inversão grave de valores! Não é o dinheiro que precisa ser respeitado. São as pessoas.
É por isso, penso eu, que há tantos problemas nos serviços públicos. Todos, usuários e funcionários, consideram que se trata de um favor. Sendo assim, não é preciso o devido respeito, as necessárias explicações, o cumprimento de prazos. Vê-se, com muita frequência, nos noticiários, a maneira desumana como pacientes são tratados em alguns hospitais, por exemplo. Felizmente, não todos, mas, ainda assim, aceita-se como normal, ou até mesmo como esperado que o atendimento seja ruim, já que “é de graça”.
Bem, não é de graça. Pagamos impostos. E não é pouco! Entretanto, não é ainda isso que me incomoda. Notem que colocamos o dinheiro acima do ser humano. Se alguém paga por algo, merece respeito. Se não, que fique satisfeito com o que receber e pronto.
Não, meus amigos, pessoas são o que há de mais importante. Para as pessoas, tudo existe. Não deveríamos pensar que só tem direito a bom atendimento quem paga. Aliás, em alguns casos, nem deveria haver a prestação de serviço paga. É o caso de segurança, por exemplo. Todos deveríamos ter o direito de ir e vir em segurança. Não apenas por estar na nossa Constituição, mas por uma questão de dignidade. Mas não é o que vemos. Muitos pagam para empresas de segurança na expectativa de se sentirem mais tranquilos. O que acaba, não raras ocasiões, acontecendo é que esse serviço pago desrespeita e até agride os demais. Já cansamos de ver casos de pessoas atacadas por “seguranças” de lojas e supermercados. Em grande parte das vezes, apenas por não parecer um cliente.
Outra frase que me preocupa muito é que o cliente tem sempre razão. Sabem por quê? Claro! Pagam pelo bem ou serviço prestado. De novo, o grande Mestre e Senhor Dinheiro. Ora, se alguém tem razão tem. Se não tem não tem. Que história é essa de ter razão por ter dinheiro? Qual é o sentido disso?
Isso equivale a dizer que, quando alguém tem dinheiro e paga por algo, merece mais respeito, mais atenção, mais dignidade. Não importa seu comportamento, suas ações, nada. O que importa é o tal dinheiro.
Vemos criminosos fazerem verdadeiros absurdos por lucro. Roubam, matam, lesam, desrespeitam. Infelizmente, tem sido cada vez mais comum acontecer. Mas por que as pessoas ditas normais teriam que agir pela mesma lógica? Sim, porque, se achamos que o dinheiro é o mais importante, estamos ratificando essas ações. Se não respeito alguém porque usufrui de um serviço ou bem gratuitamente, estou dizendo que essa pessoa vale menos. Isso é o primeiro passo para a deterioração das relações.
Imaginem se os voluntários em qualquer atividade fizessem seu trabalho de qualquer jeito por não receber nada por ele! Não! Meu respeito continua a ser pelo ser humano e tudo o que fizermos deve ser a seu favor.
Sobre a colega de Pilates, fico me perguntando por que razão participar de uma festa seria tão mais grave do que xingar e desejar o mal de outros...